Entrevista do Gen Heleno após sua ida para a Reserva.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
Um Grande General
Em 9 de maio de 2011, o General Heleno é transferido para a reserva. Este é o seu discurso.
General
Ex. Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Em meu nome e do Gen Mayer,
agradeço a presença de todos.
Há exatos 16 511 dias, transpus o portão dos novos cadetes da Academia Militar
das Agulhas Negras.
Iniciava então o ciclo mais produtivo de minha vida. Tentarei, em alguns
minutos, recordar, sumariamente, personagens, fatos e reflexões que marcaram de
forma indelével essa trajetória.
Começo pelos meus 21 irmãos de Arma. Caminhamos juntos, desde a sábia escolha
que fizemos, há 42 anos. Reunimos a melhor Turma de Cavalaria da história do
Exército. Custo a acreditar que alguns cavalgam hoje nas pradarias eternas.
Guedes, Gaspar, Vilarinho e Pedro Couto, guardo de vocês, que saíram de forma
sem permissão, uma enorme e irremediável saudade.
Minha gratidão aos abnegados e brilhantes mestres e instrutores, muitos aqui
presentes, que renovaram periodicamente meu horizonte de conhecimento, nas
diversas escolas do nosso primoroso Sistema Militar de Ensino, oásis indiscutível
da educação, em um País, onde esse tema só é prioritário nos palanques
eleitorais.
Minha homenagem aos Oficiais Generais com quem convivi, ao longo desses 45
anos. Exemplos de dedicação, honradez e profissionalismo, eles são escolhidos
por um Sistema de Promoções que não é infalível, por ser conduzido por seres
humanos, entretanto é marcado pela honestidade de propósitos, pela isenção e
pelo senso de justiça. Espero que não aceitemos jamais ingerências políticas
nesse processo, sob pena de violarmos nossos valores mais caros.
Comandantes e comandados, por intenções, atos e palavras, escrevem a história
militar. Fui brindado, de aspirante ao mais alto posto, pelo convívio com
sucessivos comandantes, da mais alta estirpe. Não vou citá-los para evitar
omissões. Eles me ensinaram, sobretudo, que nada substitui o exemplo. Com eles
aprendi que o Chefe militar nem sempre consegue ser um líder, mas jamais pode
abdicar de tentar sê-lo, obstinadamente.
Aos meus comandados, dedico uma reverência respeitosa. Eles foram a principal
motivação da minha vida profissional. Obrigo-me a uma citação especial aos que
me acompanharam nas duas mais difíceis e relevantes missões de minha carreira.
No Haiti, como comandante de uma força de paz, em um país estrangeiro, numa situação
real, e na Amazônia, onde a presença efetiva do Estado Brasileiro se resume,
quase sempre, à estóica presença das Forças Armadas. Confirmei, nessas
ocasiões, o valor do soldado brasileiro e a sabedoria do postulado que cultivei
incansavelmente: ao subordinado devemos, antes de tudo, respeito e lealdade.
Jamais violei esses princípios. Orgulho-me de poder encará-los, desde sempre,
com a cabeça erguida, olhos nos olhos.
A meus últimos comandados, do Departamento de Ciência e Tecnologia, impõe-se
uma explicação. Quando fui nomeado para chefiá-los, vocês ouviram, nos
corredores do Quartel-General, que eu estava sendo colocado em uma geladeira
profissional. Sem dúvida, o DCT nada tinha a ver com meu perfil e minhas
aptidões. Por decisão do Comandante Supremo, eu me tornara o exemplo típico do
homem errado no lugar errado. Como aprendi, desde cadete, que missão é para ser
cumprida, procurei superar minhas notórias deficiências nessa área. Seguindo os
passos de meus antecessores, busquei valorizar o Engenheiro Militar e fazer com
que o Exército avaliasse melhor a importância da Ciência e Tecnologia no mundo
de hoje. Lutei para que a Força Terrestre se convencesse de que não haverá a
tão sonhada transformação, sem um investimento maciço em autonomia e inovação
tecnológica. A experiência, graças a vocês e ao ineditismo de tudo que conheci
e aprendi, foi gratificante. Espero que colham os frutos desse trabalho.
Passo agora às jóias mais preciosas desse ciclo: meus filhos Renata e Mário
Márcio. Vocês nos deram pouquíssimos problemas e infinitas alegrias, até pelas
escolhas que fizeram no casamento. Por serem mais ajuizados do que eu,
negaram-me a chance de aplicar os ensinamentos de Psicologia que a AMAN e a
vida me transmitiram. Não seguirei a praxe de lhes pedir desculpas pela
ausência. Eu e vocês ausentamo-nos quando as circunstâncias exigiram, sempre em
busca do sucesso, que, felizmente, todos alcançamos. Meus adorados netos,
Leonardo, Henrique e Luís Felipe enchem o presente de alegria e serão, por
certo, os perpetuadores do clã, no futuro.
Sonia, você é única. Foi sempre o sustentáculo da família. Amor e emoção à flor
da pele. Atua em todo o campo de batalha. Comanda o apoio logístico e faz a
segurança da área de retaguarda. Às vezes defende o dispositivo e realiza
contra-ataques de desaferramento. Tem ainda papel preponderante nas ações
retardadoras e nos retraimentos e, fatalmente, será bastante exigida a partir
de agora, na retirada. Devo-lhe parcela considerável do meu sucesso. Obrigado
por tudo.
Propositalmente deixei por último meus pais. Sem eles, por motivos óbvios, nada
disso teria acontecido.
Dona Edina, minha extremada mãe, professora por vocação, avó amantíssima. Tu
foste a educadora clarividente que jamais transigiu com a displicência e
exigiu-me, sempre, no limite da minha competência. Tu me mostraste que a vida é
luta renhida e fez de mim um estudante diferenciado, não pela inteligência, mas
sim pelo método e pela objetividade. Lembro de ti, intensamente, cada vez que
devo superar-me e não foram poucas vezes.
Cel Ary, meu adorado pai. A saúde frustrou teus ideais de guerreiro e te
transformou em um admirado professor. Partiste muito cedo, quando eu era um
jovem tenente. Eras o meu amigo mais leal e sincero, meu companheiro de todas
as horas, meu ombro acolhedor. Tua presença, tua gargalhada, teu assobio
enchiam a casa. Personificavas a alegria de viver. Lutaste, em 1964, contra a
comunização do país e me ensinaste a identificar e repudiar os que se valem das
liberdades democráticas para tentar impor um regime totalitário, de qualquer
matiz. Foste meu exemplo de dedicação profissional, retidão de caráter,
honestidade inabalável, e amor ao Exército e ao Brasil.
Minhas senhoras e meus
senhores.
Não vou agradecer ao Exército pelo muito que me proporcionou. Mantive com a
Instituição uma relação de amor intenso, sem máculas, uma troca de energia e
conhecimento, desinteressada e produtiva.
Se voltasse a passar pelo portão dos novos cadetes, faria tudo novamente.
Talvez conseguisse ser mais solidário, mais atencioso, mais organizado, mais
paciente, mais competente e mais uma infinidade de outros predicativos. Talvez
por isso não nos deixem repetir o percurso. Perderia a graça.
Fui aconselhado, algumas vezes, a ser menos impetuoso e mais tolerante.
Preferi, como Cervantes, seguir pela estreita senda da Cavalaria, e, como ele,
desprezar certas honrarias para não abdicar de meus valores.
A partir de hoje, assistirei, da arquibancada, a mais um desafio inédito, que o
nosso querido Brasil parece disposto a enfrentar: ser a primeira potência
mundial a possuir Forças Armadas mal equipadas e muito mal remuneradas, no
entanto altamente motivadas e extremamente competentes, como provam todos os
dias, nas mais diferentes missões. Tomara que a experiência continue a dar certo.
Lembro apenas um pensamento de Rui Barbosa: “A Nação que confia mais nos seus direitos do que em seus soldados, engana a si mesma e cava sua ruína”
Ao meu dileto amigo Gen Mayer, faço votos de que continue se valendo da
competência, do bom senso, da inteligência, da liderança e da capacidade de
gerência que o trouxeram até aqui. O Departamento de Ciência e Tecnologia ganha
hoje um grande chefe militar. Que Deus o proteja.
Aliás, devem estar surpresos por não ter falado em Deus até aqui. Não julguei
necessário. Com Ele me entendo de modo especial. Não preciso de igrejas, de
rezas, nem de reverendos. Bastam meus pensamentos, meus sentimentos e meus
atos.
Obrigado a todos.
Brasil acima de tudo.
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